Entre os jardins do lúdico, as ruas
do diálogo e os becos que excluem.
Jardins
O
Grupo Aprender em Festa (GAF) nasceu em Gouveia, em 16 de Novembro de 1989.
Quando
o nosso percurso se iniciou, ignorámos que estávamos a começar algo que iria
ser longo e tão largo, como aliás nos acontece em muitas situações da nossa
vida.
Tudo
começou em conversas de café, em reuniões, em serões de partilha e fantasia, e
depois em pequenos encontros de procura.
O
primeiro foco de atenção foram as crianças, o desenvolvimento das suas
capacidades e o insucesso escolar.
O
Grupo Aprender em Festa representou então o movimento de quem faz parte do
sistema social, como professor, técnico de saúde ou profissional de qualquer
serviço, e decide levantar-se da secretária, abrir a porta do gabinete e sair
para o jardim, onde a realidade tem outro perfume.
Aí,
há espaços para olhar as crianças fora de rótulos de alunos, sãos ou doentes,
obedientes ou incómodos para os serviços.
No
jardim, as crianças riem, brincam, choram, aventuram-se, descobrem, imaginam,
constroem, partilham.
O
Grupo Aprender em Festa, nasceu portanto neste jardim imaginário dos olhares,
convidando as escolas a abrir-se ao diálogo com a vida à sua volta, desafiando
as comunidades a entrar com a sua cultura para dentro da escola e procurando
que as crianças se motivassem para desenvolver as suas capacidades, ligando as
aprendizagens escolares às vivências e descobertas do dia-a-dia.
Surgiram
assim as Festas
Comunitárias, através de um desafio aceite por muitas escolas do
primeiro ciclo, jardins de infância e respetivas comunidades.
Nesses
Encontros, juntaram-se histórias e cantigas, trazidas do fundo da memória dos
mais velhos ou criadas pelas crianças nas escolas, reviveram-se trabalhos e
serões à moda antiga, levantaram-se questões sobre o futuro, fizeram-se jogos,
e sobretudo, viveu-se a Festa através do riso, da dança e da ceia que todos
partilharam no fim.
A
partir das Festas Comunitárias, nasceu a seguir o Projeto “Da Memória do Fazer à Aventura do
Ser”, em que escolas, jardins de infância e comunidades locais se
envolveram conjuntamente na valorização do seu património cultural. Este
Projeto culminou com a realização de uma Feira de Cultura Popular e com a
edição de livros com diversas recolhas efetuadas no concelho de Gouveia.
Por
outro lado, desde 1993 passou a funcionar uma Ludoteca Itinerante, que tem
percorrido todas as localidades do concelho com o objetivo de contribuir para o
desenvolvimento global das crianças, através de atividades lúdicas, promovendo
o diálogo com as famílias e as escolas, e dando especial atenção às crianças
que vivem em locais mais isolados.
As Ruas e as Praças
Mas
a sociedade não se confina aos jardins.
Por
isso, o Grupo Aprender em Festa foi avançando por ruas e praças, encontrou
jovens, entrou nos lares de idosos, debateu os problemas do Ambiente, animou
jogos e projetos com adolescentes, iniciativas de diálogo entre gerações, etc.,
etc…
Desta
forma, fomos aprendendo a ser motor e suporte da animação de processos de
desenvolvimento das pessoas e das comunidades no concelho de Gouveia.
Um
exemplo interessante é o do nosso percurso face à animação com jovens.
Começámos
por iniciativas pontuais, do tipo lúdico, pedagógico ou cívico, estimulando a
cooperação em equipas. Os jovens aderiam e empenhavam-se nas atividades
propostas, mas quando a seguir lhes propúnhamos que prosseguissem
autonomamente, ficando o Grupo Aprender em Festa apenas com um papel de apoio
de retaguarda as iniciativas morriam.
Posteriormente,
começámos a promover algum suporte formativo com vista à animação interpares,
tendo desenvolvido iniciativas com continuidade ao nível de grupos informais e
até uma associação juvenil que se mantém ativa.
A
nossa atividade com jovens tem vindo a centrar-se sobretudo no desenvolvimento
de comportamentos autónomos, solidários e saudáveis, aprendendo a lidar com
situações de risco. Neste âmbito tem havido vários projetos com apoio do
Instituto da Droga e da Toxicodependência.
Os Becos
Entretanto,
à medida que percorria os espaços dentro das aldeias, vilas e cidades, o Grupo
Aprender em Festa foi descobrindo que havia também muitos becos, de onde as
pessoas não conseguiam sair.
Becos
com pessoas sozinhas, becos com famílias inteiras, becos com aldeias sem
futuro.
Então,
o Grupo Aprender em Festa arriscou um novo salto na sua existência, e em 1996
candidatou-se ao Subprograma “Integrar”, com o Projeto “Sair do Beco”, para
intervir no combate à pobreza e à exclusão social e na promoção do
desenvolvimento local.
O
Projeto foi aprovado, o Grupo Aprender em Festa passou a dispor de vários
técnicos remunerados (até então quase tudo era realizado em regime de
voluntariado), arrancou com Cursos de Formação Profissional abertos em especial
à participação de pessoas em risco de exclusão, empenhou-se em ações de
animação comunitária com maior continuidade, constituiu parcerias com outras
entidades locais e entrou no Núcleo Executivo da “Comissão Local de
Acompanhamento do Rendimento Mínimo Garantido”, que veio posteriormente a
coordenar.
Terminado
o Projeto “Sair do Beco”, o Grupo Aprender em Festa viu ser aprovado em 2000,
um novo Projeto
o “Gouveia Solidária”, no âmbito do Programa de Luta Contra a
Pobreza, tendo a Câmara Municipal de Gouveia como entidade promotora, e
abrangendo um considerável número de parceiros.
Este
Projeto permitiu prosseguir com iniciativas contra a pobreza e exclusão social,
promovendo-se medidas continuadas de acompanhamento psicossocial a pessoas e
famílias, e procurando-se caminhos favorecedores do desenvolvimento local.
Neste contexto, tivemos um papel animador fundamental no processo de arranque e
formalização da Rede Social de Gouveia, com a constituição do Concelho Local de
Ação Social (CLAS) e aprovação de um primeiro Diagnóstico Social e de um Plano
de Desenvolvimento Social.
Mas
em 2005 sentimos que o salto iniciado à 5 anos antes se tornava demasiado
grande para a capacidade das nossas pernas e estava a transformar-se num
pesadelo. Assim, quando terminou o Projeto de Luta Contra a Pobreza, preferimos
não fazer nenhuma candidatura ao PROGRIDE, que se lhe seguiu. É o que tentamos explicar a seguir.
Mais Becos do que Esperávamos
Por
detrás dos becos que tínhamos vislumbrado, descobrimos outros.
Os
processos de exclusão desenvolvem-se, a partir de dada altura, como em círculos
viciosos, em que as pessoas marginalizadas se autoexcluem ainda mais, ao mesmo
tempo que nas instituições e na opinião pública vai crescendo uma atitude de
rejeição face àqueles que não atuam de acordo com as normas sociais.
Todo
o sistema de serviços está virado para os utentes cujo comportamento
corresponde à expectativa das normas sociais vigentes. Mas a maioria das
pessoas que sofre a exclusão social não cabe neste crivo. E, até agora, o
próprio Rendimento Social de Inserção, sucessor do anterior Rendimento Mínimo
Garantido, não conseguiu ainda flexibilizar-se suficientemente para ser capaz
de promover socialmente pessoas “diferentes”.
A
par de tudo isto, os chamados “apoios governamentais, comunitários e
autárquicos” têm exigências, atrasos ou cortes que dificilmente se
compatibilizam com recursos ao alcance de Associações sem fundos próprios e
situadas nos meios rurais, que acabam por ter de se contrair empréstimos para
evitar descontinuidade nas iniciativas e nos pagamentos a quem trabalha, ao mesmo
tempo que grande parte das suas energias se dispersam em burocracias e
cumprimentos de normas e regulamentos, que lhes são impostas com prejuízo
evidente no trabalho no terreno.
Não
menos importantes são as barreiras com que nos confrontamos em virtude das
nossas próprias carências de meios para construir alternativas inovadoras face
aos problemas que vamos identificando, já que aquilo que procuramos não pode
ser dado por serviços burocratizados ou técnicos alheios às realidades com que
nos debatemos.
Ontem e Hoje
Assim,
desde 2005 investimos em projetos de nível “micro” e em áreas que
considerávamos serem prioritárias e estarem ao nosso alcance. Naturalmente,
continuámos a cooperar como parceiros no Projeto “Gouveia em Desenvolvimento”, no
âmbito do PROGRIDE, que agora termina, além de participarmos no CLAS, no Núcleo
Local de Inserção (NLI), e de mantermos atividades lúdicas com crianças e
iniciativas de animação com jovens. No entanto, os nossos maiores investimentos
passaram a ser: a) O Centro Comunitário “Outro Olhar”, a funcionar
através de um protocolo com a Segurança Social, da qual recebemos desde 2007
uma verba anual que fica muito aquém do que necessitaríamos para o
acompanhamento regular de crianças, adultos e famílias em risco de exclusão,
pelo que o grupo que temos vindo a abranger corresponde a menos de metade das
pessoas identificadas, estando a dar-se prioridade nomeadamente a algumas
situações problemáticas em saúde mental; b) As iniciativas de formação e apoio
em educação parental, iniciadas em 2003 e estruturadas sobretudo a partir de
2007 através do PIF “Uma Aventura no Mundo da Família”.
Amanhã
Se
alguma coisa temos aprendido ao longo destes vinte anos de intervenção
comunitária, é que os caminhos para sair dos becos que nos condicionam passam
necessariamente pelo processo de conscientização das Pessoas e das Comunidades
a partir dos desafios da vida em cada contexto concreto, assumindo
potencialidades e buscando respostas solidárias no sentido do desenvolvimento
do Ser.
É
certo que neste percurso de vinte anos, teremos perdido alguma Festa que
trazíamos no início, e adquirimos em troca uma certa dose de amargura e
desencanto, à medida que nos vamos confrontando com novos obstáculos.
Mas
também é verdade que neste momento está bastante mais consolidada a nossa
convicção de que a palavra Desenvolvimento se deve ler de baixo para cima e ter
dentro de si pessoas comunidades de corpo inteiro, com necessidades e recursos,
motivações e limites; que a palavra Cultura é uma árvore cujo tronco pode subir
muito acima de todos os becos, desde que os ramos se entrelacem com os do
Desenvolvimento; e que a palavra Cidadania só faz sentido na medida em que as
pessoas e comunidades se apropriem dos processos de construção futura de
cidades mais livres, mais solidárias e, por isso, mais capazes de continuarem a
aprender o sentido da Festa.